Dois estudos publicados em 2012 no European Heart Journal, periódico da Sociedade Europeia de Cardiologia, colocam em cheque a afirmação de que gordura extra é sempre sinal de maior risco para a saúde. O fenômeno é chamado pelos pesquisadores de paradoxo da obesidade: em certos casos, os quilos além da conta não indicam perigo. Porém, para o médico endocrinologista Márcio Mancini, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e chefe do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirmar que obesos podem ser saudáveis é um erro. Há pessoas acima do peso com menos gordura visceral, que desenvolvem menos complicações como diabetes, hipertensão e dislipidemia. De qualquer forma, as complicações mecânicas como ostreoartrose, apneia do sono, por exemplo, são mais frequentes. Colelitíase, aumento de incidência de câncer, ocorrem mais em obesos, de modo que não podemos dizer que há obesos saudáveis, avalia.
Para ele, mesmo que o indivíduo acima do peso esteja metabolicamente saudável, ou seja, com níveis normais de insulina e pressão arterial, ele está mais propenso a outras doenças em comparação com os que estão em seu peso ideal, como o câncer, por exemplo. Além disso, o diagnóstico fica também dificultado. Basta dizer que a maioria dos aparelhos não foi desenvolvida para uso em pessoas com menos que 120 kg. O próprio tratamento do câncer, radioterapia, por exemplo, é dificultado acima desse peso, explica Mancini.
Contudo, o médico alerta sobre alguns casos em que os magros ficam em desvantagem: Pacientes magros têm pior prognóstico diante de algumas doenças como insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crônica. Algum grau de sobrepeso pode ser protetor nesses casos. Não podemos inverter o raciocínio e promover o ganho exagerado de peso como promotor de saúde, conclui.
O que dizem as pesquisas publicadas no European Heart Journal – A primeira avaliou dados de 43 mil americanos divididos em grupos conforme o nível de obesidade e os resultados em testes de colesterol, pressão arterial e condicionamento físico. Após um acompanhamento de cerca de 14 anos, os médicos, liderados por Francisco Ortega, da Universidade de Granada (Espanha), perceberam que os obesos considerados saudáveis após os exames tiveram um risco 38% menor do que os não saudáveis de morrer por qualquer causa. A redução de morte por problema cardíaco ou câncer foi de 30% a 50%. O desempenho desses gordos “em forma” ao longo do tempo foi similar ao dos magros saudáveis, segundo o estudo.
Outro trabalho, na mesma edição da revista especializada, analisou, por três anos, a mortalidade de 64 mil suecos com problemas cardíacos (como angina e infarto) submetidos a um exame de imagem para determinar a saúde de suas artérias coronárias. Os pacientes foram subdivididos de acordo com seu IMC (índice de massa corporal, calculado dividindo o peso em quilos pela altura ao quadrado, em metros). O gráfico de mortalidade ficou em forma de “U”: quem estava nos extremos (muito magros ou obesos mórbidos) tinha risco mais alto de morrer do que paciente intermediários, com sobrepeso ou obesidade moderada. A pesquisa que acompanhou os americanos credita o melhor condicionamento físico dos obesos saudáveis como responsável pelo menor risco de morte observado nesse grupo em relação aos não saudáveis.