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Bastidores do V Congresso de Fibrose Cística

Muitos acontecimentos bacanas fizeram parte do V Congresso Brasileiro de Fibrose Cística que aconteceu em Gramado durante o mês de abril. Entre eles, a participação da especialista Amanda Radmer Leonard, que compartilhou com os participantes do evento muitos de seus conhecimentos a respeito do assunto. Bacharel em Ciência da Nutrição pela Universidade de Delaware nos Estados Unidos, Amanda estuda a fundo a Fibrose Cística e hoje ela atua na avaliação do estado nutricional desses pacientes com o problema buscando orientá-los para o melhor tratamento.

A seguir, você confere com exclusividade o post escrito por ela, especialmente para a Prodiet:

Ao longo das últimas 5 décadas a sobrevida para indivíduos com fibrose cística (FC) melhorou muito. Apesar da FC costumar ser uma doença que retira vidas na primeira década de vida, em muitos países a expectativa de vida média é maior que quarenta anos. Crianças nascidas com FC hoje têm uma função pulmonar melhor em relação a grupos nascidos anteriormente (gráfico 1). A associação entre a função pulmonar mensurada como VEF1 (volume expiratório forçado em 1 segundo) e as condições nutricionais mensuradas como IMC (índice de massa corpórea) está bem descrita no gráfico 2. Conforme a função pulmonar melhora, o estado nutricional também melhora. Embora não se saiba se uma melhor função pulmonar cause melhores condições de nutrição, ou vice-versa, as duas parecem estar ligadas. Por este motivo, a Fundação Norte Americana de Fibrose Cística (North American Cystic Fibrosis Foundation, CFF) recomenda uma meta para IMC de > 50% para crianças com idade de 2-20 anos e uma meta para IMC de 22 kg/m2 para mulheres adultas e 23 kg/m2 para homens adultos. Conforme mais crianças e adultos com FC estejam alcançando estas metas, a faceta da nutrição para FC tem evoluído. Há muitos novos tratamentos interessantes no horizonte e também possíveis meios para identificar e intervir em necessidades nutricionais específicas.


Impacto da Nutrição Inicial

Uma área da nutrição de FC que têm evoluído é a ligação entre as condições nutricionais iniciais e os resultados posteriormente durante a vida.  Konstan et al. , avaliaram as condições nutricionais de crianças com FC aos 3 e 6 anos de idade e a função pulmonar aos 6 anos de idade. Eles observaram que condições nutricionais são melhores aos 3 anos de idade e estão associadas com melhores funções pulmonares aos 6 anos de idade. McPhail e colaboradores observaram dois grupos de indivíduos com FC. Eles observaram que melhores condições nutricionais no estado basal foram associadas com um declínio mais lento na função pulmonar conforme medido por FEV1. Outro grupo, liderado por Yen, observou dados do registro de FC dos EUA para 3142 indivíduos com FC. Eles se concentraram nas condições nutricionais iniciais e investigaram as associações com uma variedade de resultados. O grupo observou que um melhor peso para o percentil de idade aos 4 anos é positivamente associado com altura, VEF1 e sobrevida aos 18 anos de idade. Estes projetos de pesquisa apontam para uma futura direção nos cuidados de nutrição para FC. Como a nutrição inicial foi observada a ser importante para resultados posteriores, um objetivo vantajoso seria concentrar mais atenção na intervenção precoce e na maximização da nutrição com o objetivo da função pulmonar melhorada e outros objetivos posteriores durante a vida.

Obesidade e Sobrevida

Outra área da nutrição em FC foi estudada recentemente nas condições nutricionais gerais da população. Stephenson e colaboradores estudaram 908 pacientes observados na clínica para FC Adulta de 1985 a 2011, aonde foi observado que durante tal tempo, o percentual de obesidade na população aumentou de 7% a 15,8%. Hanna et al observaram 226 adultos com FC e encontraram resultados similares. Nos seus centros de FC, 15% dos pacientes apresentavam sobrepeso e 8% estavam obesos. Estes resultados conduziram a possíveis direções futuras para a terapia e também a novas questões. Obesidade é relevante na FC? Devemos nos preocupar se nossos pacientes apresentarem sobrepeso/estiverem obesos? Quando isso se torna um problema, e se for um problema? Há um IMC que seja “muito alto” em FC? Devemos ter uma faixa de IMC, em vez de apenas um objetivo mínimo? A pesquisa que observa estas questões é uma possível direção futura para a nutrição em FC.

Dietas específicas/ recomendações de nutrientes

As recomendações de nutrição para FC incluem orientações para macronutrientes e não fornecem sugestões específicas para tipos de gordura, carboidratos ou proteínas. Deficiências vitamínicas são identificadas e tratadas e há múltiplas opções de multivitamínicos específicos disponíveis para FC. O objetivo primário é prevenir a deficiência. Alguns grupos investigaram se pode haver benefícios ao se refinar a estas recomendações.  Maqbool et al estudaram 65 crianças com idades de 7-10 anos com FC e 22 controles saudáveis. Eles mensuraram a ingestão por meio do uso de um registro de dieta de 7 dias e níveis séricos de ácidos graxos. Eles observaram que tipos de ingestão de gorduras tiveram impacto sobre os níveis séricos incluindo LA (ácido linoleico), DHA (ácido docosahexaenóico), Trieno:Tetraeno (T:T) e Ácido araquidônico (AA):DHA. É possível que o aumento de gorduras específicas na dieta possam ter significância clínica. As adições nos alimentos, tais como: óleo de semente de linhaça, atum enlatado, nozes, canola, óleo de açafrão-bastardo ou girassol podem ser um modo não invasivo de melhorar os perfis de ácidos graxos. É necessário mais pesquisas nesta área.Grossman e colaboradores observaram inflamação e vitamina D na FC. Eles incluiram 30 sujeitos adultos com FC em um estudo piloto randomizado, controlado e conduzido durante internações hospitalares de rotina. O grupo de tratamento recebeu 250.000 UI de vitamina D3 na internação. Marcadores de inflamação foram mensurados, incluindo fator de necrose tumoral alfa (TNF-a) e interleucina-6 (IL-6). O grupo de tratamento foi observado a ter uma estadia hospitalar mais curta, um período de tempo menor de uso de antibióticos IV e diminuição dos marcadores inflamatórios. Estes resultados sugeriram que a vitamina D poderia potencialmente diminuir a inflamação na FC. É necessário mais pesquisa nesta área. Estes estudos nos relembram sobre a questão de como nós estamos abordando as recomendações de nutrição para FC. Em algum momento devemos pensar sobre uma dieta em FC de forma a maximizar a saúde em vez de prevenir a má nutrição? A dieta para FC será eventualmente direcionada para uma dieta saudável para o coração / dieta para redução de riscos cardiovasculares ou alimentos anti-inflamatórios ou para redução do risco de câncer?  Uma combinação destes fatores deve ser incluída nas recomendações?

Novas terapias

Conforme os cuidados com FC estão melhorando, novas terapias estão disponíveis aos pacientes. Uma nova terapia, Ivacaftor (Kalydeco), tem o potencial para melhorar amplamente as condições nutricionais de indivíduos com FC. Ivacaftor é um potencializador que está aprovado para indivíduos com mutação G551D (e outras mutações na abertura do canal – “gating”). Houve relatos de secreção de insulina melhorada e resolução de fibrose cística relacionada ao diabetes após a terapia com Ivacaftor. Curiosamente, os pacientes utilizando Ivacaftor também apresentam melhor ganho de peso e há a possibilidade de que eles não precisem seguir a dieta padrão com teores calórico e lipídico elevados utilizada na FC. Conforme mais terapias estejam disponíveis para mutações específicas, podemos ter diferentes abordagens nutricionais baseadas em genética/mutações. Enzimas de reposição pancreática com revestimento entérico atualmente disponíveis, foram utilizadas por muitos anos. Há poucos novos produtos enzimáticos no horizonte que podem mudar o modo de administração das enzimas. Sollpura (Anthera) é uma enzima de reposição pancreática (não-porcina) que está sendo estudada nos EUA, esta enzima estaria disponível nas formas de cápsula e sachê. iLipase (alcresta) é uma lipase de novo ponto de tratamento a ser usada com alimentos entéricos. Apesar de nenhum destes produtos estar no mercado, eles apontam para uma futura direção de melhores tratamentos de reposição enzimática. O campo da nutrição em FC está em evolução e sendo melhorado dia a dia. Conforme aprendermos mais sobre o impacto da nutrição sobre os resultados e como nutrientes específicos geram impacto sobre o corpo, os padrões de cuidados provavelmente mudarão. Há muitos novos tratamentos, abordagens, e novas questões em potencial, esperançosamente todos conduzindo para uma melhor condição nutricional e melhor qualidade de vida para os nossos pacientes.

Gráfico 1:

Registro de Pacientes da CF Foundation 2013

 

Gráfico 2:

Percentagem Prevista de VEF1 vs. Percentil de IMC em Crianças de 6 a 20 Anos

 

Referencias:

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