Representantes das principais sociedades científicas relacionadas à nutrição clínica, em todo o mundo, aprovaram um documento de consenso sobre a desnutrição, o GLIM. A aprovação se deu durante o 40ª Congresso da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (Espen), que ocorreu em Madri, na Espanha, em setembro deste ano.
O Blog Prodiet conversou com Sandra Justino, doutora em Nutrição e nutricionista Clínica do Centro de Terapia Intensiva do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), para entender como se aplica essa iniciativa no contexto mundial e nacional.
Você poderia nos detalhar sobre o que é o GLIM?
R: A Iniciativa de Liderança Global em Desnutrição (GLIM) reuniu importantes representantes das maiores Sociedades de Nutrição Clínica Global. O objetivo era construir um consenso global a respeito de critérios destinados ao diagnóstico de desnutrição do adulto no cenário clínico. Após extenso trabalho, o grupo de experts elaborou um documento que foi aprovado durante o Espen e publicado na revista Clinical Nutrition (2018), com o título: “GLIM criteria for diagnosis of malnutrition – A consensus report from the global clinical nutrition community”
Quais os parâmetros utilizados pelos estudiosos?
R: De acordo com o documento, inicialmente foi selecionada uma abordagem em duas etapas para o diagnóstico de desnutrição: a) triagem para identificar o risco nutricional, na qual deve-se utilizar alguma ferramenta de triagem validada; b) avaliação para o diagnóstico e classificação da gravidade da desnutrição.
Com base em metodologia pré-estabelecida e extensa revisão de pesquisas relacionadas à triagem e avaliação nutricional, os participantes, por meio de votação, selecionaram os cinco principais critérios que devem ser considerados na avaliação. Estes incluíram três critérios fenotípicos (perda de peso não voluntária, baixo IMC e redução da massa muscular) e dois critérios etiológicos (redução da ingestão ou assimilação de alimentos e inflamação). Para diagnosticar desnutrição, devem estar presentes pelo menos um critério fenotípico e um critério etiológico. Foram propostos apenas os critérios fenotípicos para classificação da gravidade da desnutrição, como fase 1 (moderada) e a fase 2 (grave). Recomendaram que os critérios etiológicos sejam usados para orientar a intervenção e os resultados esperados.
Quais são os próximos passos para a sua utilização?
R: Trata-se de um consenso e não de uma portaria ou lei, para os quais é possível estabelecer prazo para iniciar. De acordo com o documento, os próximos passos seriam garantir mais colaboração e endossos das principais sociedades e profissionais de nutrição e promover a disseminação, estudos de validação e feedback. Convém esclarecer que a avaliação nutricional já faz parte das atividades do nutricionista nas portarias que regulamentam a terapia nutricional (enteral e parenteral) no Brasil, sejam as destinadas a pacientes de maneira geral ou pacientes graves.
Qual a sua importância a nível global?
Essa iniciativa fornece uma importante contribuição para os profissionais que atuam na área de nutrição, principalmente os nutricionistas, estabelecerem uma linguagem mais global, o que pode facilitar e melhorar a assistência ao paciente, principalmente que transita em diversas instituições. Também permitirá o desenvolvimento e melhoria dos estudos locais ou multicêntricos.
E na realidade brasileira, principalmente em relação aos critérios de diagnóstico de desnutrição?
Em nosso país, certamente iremos encontrar instituições de saúde que já utilizam ou têm condições de implantar protocolos que contemplem todos os critérios estabelecidos no consenso, uma vez que dispõem de infraestrutura e profissionais qualificados para tais procedimentos. Contudo, esta não é a realidade nacional. Naturalmente que a utilização de tais equipamentos e/ou instrumentos deverá ser com base na realidade de cada local e condição clínica do paciente. Por exemplo: existem pacientes cujas condições clínicas permitem o emprego de qualquer um dos indicadores, enquanto que pacientes internados na UTI já teriam algumas limitações clínicas para essa generalização.
Acredito que há necessidade de mais conscientização do impacto da desnutrição para o indivíduo, tais como: comprometimento do sistema imune, elevado risco de complicações cirúrgicas e infecciosas, elevado risco de lesão por pressão, mais tempo na ventilação mecânica, de internação na UTI e no hospital, frequentes reinternações, mais assistência a nível ambulatorial e mais institucionalização. É importante compreender que cada complicação que se soma acarreta em piora na qualidade de vida do paciente, que pode levar anos para se recuperar, muitas vezes, sem condições de retornar ao trabalho. Além desse impacto sobre o paciente e seus familiares, esse quadro eleva o custo para o Sistema de Saúde, tanto em nível de saúde pública, quanto privada. É de fundamental importância que essa conscientização passe por todos os níveis da sociedade, não apenas pelo paciente e seus familiares. Certamente que diagnosticar desnutrição é uma parte da assistência aos nossos pacientes.
Sandra Justino é graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutora em Ciências da Nutrição pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Atualmente, é nutricionista da Universidade Federal do Paraná, no Complexo Hospital de Clínicas, atuando no Centro de Terapia Intensiva. Tem experiência na área de Nutrição Clínica, com ênfase em Terapia Nutricional do Paciente Crítico é membro da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (Braspen), Departamento de Nutrição da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Departamento de Nutrição da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná (SOTIPA) e Sócia da Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN).