A Nutrição Enteral é vital para vários tipos de pacientes, estejam eles internados em ambiente hospitalar ou domiciliar. Ela é indicada para indivíduos que não estejam recebendo a quantidade suficiente de nutrientes por meio da alimentação convencional, ou são incapazes de engolir ou tolerar o alimento pela boca.
Em entrevista concedida ao Blog Prodiet, a enfermeira Letícia Faria Serpa*, diretora da Escola Técnica de Educação em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, falou sobre o perfil do paciente que necessita fazer o uso de sondas, algumas das possíveis complicações (e como evitá-las), além de estudos acerca do tema. Confira a entrevista abaixo:
Qual é o perfil do paciente que necessita de sonda gastrojejunal:
A Nutrição Enteral (NE) é definida como a administração de líquidos dietéticos especializados no trato gastrointestinal, através de sondas posicionadas no estômago ou intestino ou ainda por ostomias. Primeiramente, é necessário fazer uma boa escolha do tipo de acesso para evitar complicações. Uma boa escolha do acesso enteral, sonda ou ostomia visa à segurança do paciente, reduzindo complicações, a morbidade e a mortalidade.
Quando escolhida a Nutrição Enteral (NE) como a forma de recuperação do estado nutricional do paciente, alguns aspectos devem ser levados em consideração para se obter a melhor resposta da terapia proposta:
- Duração prevista da terapia proposta;
- Estado Nutricional do paciente;
- Se ele tem risco de broncoaspiração (é idoso? Se tem alguma doença neurológica, se há presença de intubação orotraqueal, entre outros)
- Condições de absorção e presença de patologia do trato gastrointestinal;
- Disponibilidade de acesso;
- Aspectos da dieta: osmolaridade, viscosidade;
- Conforto ao paciente.
Para pacientes com quadro de gastroparesia (condição que afeta os músculos do estômago e impede o esvaziamento adequado desse órgão), atonia (falta de força) e distensão gástrica, temos hoje a opção de utilização da sonda gastrojejunal, que tem duas vias distintas de calibres diferentes, permitindo a alimentação via jejunal e a drenagem do estômago ao mesmo tempo para descompressão. Algumas dessas sondas possuem três vias: uma para alimentação (jejunal), uma para aspiração e outra para descompressão (gástrica). Para a passagem desta sonda, é indicada endoscopia, para garantir seu posicionamento adequado e diminuir o risco de enovelamento no estômago devido ao seu comprimento em torno de 150 a 170cm. Tais sondas são de material biocompatível, radiopacas, permitindo sua visualização ao controle radiológico.
Quais estudos já foram realizados sobre complicações após o procedimento de colocação da sonda?
Existem poucos estudos abordando especificamente a utilização da sonda nasogastroejunal. O primeiro estudo que gostaria de comentar é de 2002 comparando a manipulação de uma sonda nasojejunal e uma sonda nasogastrojejunal, por endoscopistas e equipe de enfermagem, desde o momento da colocação do tubo, sucesso na instalação e problemas de enfermagem encontrados durante o uso clínico. Os autores encontraram os seguintes resultados: o tempo de colocação do tubo nasogastrojejunal realizado por endoscopia foi menor e o procedimento mais bem-sucedido. Os problemas de enfermagem ocorreram com maior frequência, de forma significativa com a sonda nasojejunal; a sonda nasogastrojejunal manteve-se no lugar por período mais longo (37 dias vs. 21 dias, p = 0,034). (Schwab et al, 2002).
Outro estudo com paciente com encefalopatia hepática apresentou as seguintes complicações relacionadas aos tubos NGJ (nasogastrojejunal): autorremoção da sonda, obstrução, migração proximal e migração intraduodenal da entrada gástrica (Lee et al, 2002).
Resumindo, as principais complicações encontradas na literatura e também baseadas na experiência clínica são: deslocamento da sonda internamente ou externamente e obstrução da via jejunal destinada à administração da nutrição enteral devido ao menor calibre da sonda.
Quais os principais motivos das complicações?
A Terapia Nutricional traz vários benefícios ao paciente, porém, é necessário o monitoramento diário da evolução do paciente e sua resposta à terapia proposta, com atenção constante a qualquer necessidade de mudança. Além disso, a falta de conhecimento e de habilidade da equipe também podem trazer complicações, necessitando sempre acompanhar as normatizações nacionais e internacionais, estabelecer protocolos institucionais de acordo com as características de seus pacientes para minimização destes eventos e sucesso na terapia nutricional.
A Enfermagem tem um importante papel neste processo, participando desde a indicação da terapia, a escolha da sonda a ser utilizada, a manutenção da sonda durante a administração da Nutrição Enteral, medicamentos e hidratação do paciente. É importante ressaltar que o paciente e familiar devem participar dessa decisão e devem ser orientados quanto aos benefícios e as possíveis complicações da Nutrição Enteral.
Como evitar as complicações?
A primeira recomendação é a instituição de protocolos institucionais de cuidados, tais como:
- Protocolo para administração segura da nutrição enteral;
- Protocolo para administração de medicamentos. A falha na maceração dos medicamentos, interação entre medicamentos ou entre algum medicamento e a própria dieta, atentando para a interação droga-nutriente, podendo levar à formação de um coágulo proteico e, consequentemente, à obstrução;
- Protocolo para irrigação da via jejunal da sonda. Estabelecer o volume de água a ser administrada assim como a periodicidade dessa irrigação, salientando a necessidade de irrigação após a administração de cada medicamente e da dieta. É importante salientar que estamos trabalhando com uma sonda longa, então é necessário verificar o volume adequado de água para a hidratação;
- Protocolo para prevenção de complicações.
Além disso, outros cuidados são importantes para a segurança do paciente:
Para a prevenção do deslocamento da sonda, alguns cuidados são fundamentais:
- Fixação adequada da sonda;
- Observação da rima da sonda na porção externa da narina;
- Realizar o controle radiológico em suspeita de exteriorização;
- Atenção maior aos pacientes confusos e agitados.
Um aspecto muito importante é a capacitação de toda a equipe de profissionais envolvida no cuidado, garantindo o reconhecimento das necessidades de cada paciente, o conhecimento dos protocolos, assim como a implementação da Terapia Nutricional com qualidade e segurança.
Por fim, além de recomendar algumas referências do conteúdo abordado, a enfermeira Letícia Faria Serpa convida os profissionais para participarem do Workplace da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN), que abriu uma plataforma de interação para troca de experiências, além da oportunidade de discutir com especialistas a prática diária: http://bit.ly/2DIZD9Y
Bibliografia recomendada:
Bankhead R, Boullata J, Brantley S, Corkins M, Guenter P, Krenitsky J, Lyman B, Metheny NA, Mueller C, Robbins S, Wessel J. Medication administration. In: A.S.P.E.N. enteral nutrition practice recommendations. JPEN J Parenter Enteral Nutr 2009; 33(2):158-62.
DiMaria-Ghalili RA, Gilbert K, Lord L, Neal T, Richardson D, Tyler R et al. Standards of Nutrition Care Practice and Professional Performance for Nutrition Support and Generalist Nurses. Nutri Clin Pract. 2016; 31(4): 527-47.
Lee S, Mathiasen RA, Lipkin CA, Colquhoun SD, Margulies DR. Endoscopically placed nasogastrojejunal feeding tubes: a safe route for enteral nutrition in patients with hepatic encephalopathy. Am Surg; 68(2): 196-200, 2002.
Matsuba CST, Magnoni D. Enfermagem em Terapia Nutricional. São Paulo: SARVIER; 2009.
Mirtalo J et al. JPEN, 28:S39-S70, 2004/ Enteral Nutrition Practice Recommendation. JPEN, 20(10): 4, 2009.
Schwab D, Muhldorfer S, Nusko G, Radespiel-Troger M, Hahn EG, Strauss R. Endoscopic placement of nasojejunal tubes: A randomized, controlled, prospective trial comparing suitability and technical success for two different tubes. Gastrointest Endosc 2002; 56 (6): 858–863.