Entrevistamos a Simone Pinto, nutricionista especialista em Gerontologia, para esclarecer as principais dúvidas sobre o acompanhamento nutricional de quem possui demência.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a Demência “[é] um termo abrangente que descreve a perda de memória, capacidade intelectual, raciocínio, competências sociais e alterações das reações emocionais normais.” Estima-se que, em todo o mundo, existam 47.5 milhões de pessoas com demência, número que pode quase triplicar em 2050 e chegar aos 135.5 milhões.
Já que a Demência é mais frequente em pessoas a partir dos 65 anos, convidamos a nutricionista especialista em Gerontologia, Simone Pinto, para falar sobre o acompanhamento nutricional de pacientes com algum tipo de Demência.
Avaliação nutricional, como é feita?
Simone nos conta que, a depender do idoso, aspectos nutricionais, como obesidade e desnutrição, podem ser frequentemente encontrados. Por isso, a importância da avaliação nutricional logo na primeira consulta. Abaixo, falamos sobre os 3 tipos de avaliações que a nutricionista costuma fazer com seus pacientes:
Avaliação Bioquímica
Avaliação dos exames realizados nos últimos 6 meses, como: hemograma, lipidograma, proteínas totais e frações, vitamina D, vitamina B12, ácido fólico, ferro, ferritina, ureia, creatinina, sódio, potássio e cálcio.
Avaliação dietética
Pergunta ao paciente e/ou cuidador sobre o horário e número das refeições, quantidade de alimentos, consistência e tipos de líquidos, e se já consome algum tipo de suplemento.
Avaliação clínica e antropométrica
Mede: peso, altura, IMC, percentual de massa magra e gordura, circunferência da panturrilha, do braço e abdômen. Avalia o aspecto da pele, se apresenta alguma lesão ou desidratação. Além disso, em fases iniciais da doença, mede também a força de preensão palmar.
Outras avaliações realizadas: mini exame mental, teste do relógio e teste MoCA. Além disso, escalas de Katz e Barthel, para avaliar graus de atividades de vida e de dependências.
Pergunta ao cuidador e/ou paciente: sobre a frequência e consistência das fezes, e aspecto da urina. Verifica a questão de recusa alimentar, se há estase oral de alimentos ou medicamentos e se existe compulsão alimentar.
A partir dessa avaliação completa, a nutricionista consegue avaliar e prescrever uma dieta que melhor se enquadre na rotina e necessidades do paciente.
Frequência das consultas nutricionais
Para Simone, no início das orientações, é importante agendar consultas de pelo menos 1 vez/mês para poder acompanhar a adaptação. Mas, caso ocorra alguma situação aguda, ela orienta antecipar a visita e aumentar a frequência para 1 vez/semana até a normalização.
E, após o período de adaptação, as consultas podem ter intervalos maiores. Uma vez a cada 3 meses, ela diz que já é o suficiente.
Como foi citado acima, o IMC faz parte da avaliação nutricional. É uma informação muito importante, pois os idosos em geral já têm a tendência de sofrer com a diminuição de peso, conforme a idade avança, e a Demência pode intensificar essa mudança.
Simone relata que “[mesmo] com a quantidade calórica consumida adequada, existe a tendência de perda de peso. Essa diminuição de peso está sim relacionada com diminuição de gordura corporal, mas também de massa muscular, principalmente quando em fase avançada desenvolve sarcopenia. E também é comum apresentar a obesidade sarcopênica.“
Dificuldades na alimentação do paciente que tem Demência
A nutricionista diz que é normal cuidadores relatarem dificuldades nas horas das refeições do paciente. Isso ocorre principalmente quando o paciente não consegue segurar os alimentos na boca e comer sozinho. Às vezes, o paciente pode cuspir na hora de comer carne, pedaços de frutas ou demais alimentos com consistências diferentes. Para essa situação, o recomendado é ajustar a consistência da refeição.
A supervisão durante as refeições é indicada, porque o paciente pode comer compulsivamente sem perceber. Também é importante não deixar alimentos expostos ou de fácil acesso, para que não haja ingestão indevida, e tomar cuidado para deixar produtos de limpeza fora de alcance.
O que fazer quando o paciente tem falta de apetite?
De acordo com a Simone, “[a] falta de apetite pode se apresentar por recusa alimentar, pois o paciente em algum momento não reconhece o alimento.”
Evitar estímulos no momento da refeição, como televisão ligada, pode ajudar bastante na concentração e apetite.
Simplificar e repensar a hora de comer pode ajudar
Usar poucos talheres, copos de acrílico — com alças para segurar—, pratos fundos e pensar em cardápios únicos, como suflês e escondidinhos, em porções menores para não esfriar rápido, são boas alternativas. Além disso, para não distrair a pessoa, a nutricionista também recomenda servir apenas o prato dele com o alimento; muitas porções em sua frente podem gerar confusão.
Ela ainda completa falando que, “caso o paciente fique andando [na hora da refeição], oferecer palitos de alimentos, como: cenoura e pepino, suspiros, sanduíches pequenos, rolinhos de queijo ou cubos de queijo e pedaços de frutas, pode facilitar.”
Em fases mais leves e iniciais da Demência, ela sugere que o cuidador opte por alimentos que o paciente tenha preferência e use suplementos alimentares, para aumentar a densidade calórica.
Suplementos específicos que auxiliem na saúde cerebral e na cognição também são bem-vindos. Nutrientes relevantes para o paciente com demência Simone também nos contou os nutrientes que considera de extrema importância pra nutrição de pacientes com Demência.
Zinco, Magnésio, Vitamina E, Vitamina C, Vitaminas do complexo B, Vitamina D e EPA/DHA, UMP, Fosfolipídeos, Colina, Ácido Cáprico e Ácido Caprílico.
De acordo com ela, a “[dieta] do mediterrâneo é uma excelente orientação. Devemos estar atentos às fontes proteicas e ao consumo de carne vermelha, que pode ser de 3 a 4 vez por semana, alternando com peixes, aves, suínos, leguminosas e ovo. Leite e derivados, sementes oleaginosas, azeite de oliva e frutas do grupo das berries também são importantes. Coco e abacate devem ser estimuladas. E não esquecer também das verduras e legumes.”
Por outro lado, alimentos processados — onde se encontra maior quantidade de gorduras trans e de sódio — devem ser evitados.
Importância do trabalho da equipe multidisciplinar
Simone Pinto destaca o papel de cada profissional durante o tratamento: “A equipe multi é de extrema importância, o geriatra auxilia nas questões de medicação, para ajustar os sintomas que aparecem ao decorrer do processo, assim como o neurologista que também pode ser acionado, pois o manejo medicamentoso nem sempre é fácil, principalmente nas mudanças de fase.
O fisioterapeuta e terapeuta ocupacional serão importantes para a manutenção da funcionalidade e independência do paciente. E a psicóloga tem importante papel de apoio à família. A musicoterapia também apresenta-se como algo de grande importância em todas as fases,. Auxilia no controle de sintomas, como agitação.
A equipe de enfermagem e cuidadores ajudam o paciente com as atividades básicas e a Nutrição auxilia a família, os cuidadores e o paciente para que curse as fases da demência com um melhor estado nutricional.
A fonoaudiologia também pode ser requisitada pelo risco de broncoaspiração, que com o tempo se apresenta.”
Estímulos, adaptações e acompanhamento sob diferentes aspectos são fundamentais em momentos de mudança como esse. Em nosso artigo “Um olhar carinhoso para a Doença de Alzheimer”, trazemos o relato de um neto que cuidou de sua avó e encarou a doença com mais leveza e bom humor. Confira também, clicando AQUI.
Nutricionista Simone Pinto
Professora em diversos cursos na área de Gerontologia.
Nutricionista voluntária na Fundação de Apoio e Valorização do Idoso – FAVI, e membro da diretoria da SBGG-PR.
Mestre em Educação pela PUC e Especialista em Gerontologia, certificada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – SBGG.
Especialista em Nutrição Clínica (UFPR) e em Saúde Coletiva (UP).