Os guidelines em nutrição são diretrizes importantes formadas por meio de pesquisas científicas classificadas em níveis de evidência. Os guidelines são muito importantes para orientar a prática clínica do profissional nutricionista, sendo um guia para tomada de decisões no momento do atendimento ao paciente.
Nesse ano de 2018, a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) publicou um guideline específico para a nutrição clínica e hidratação do idoso, levando em conta as especificidades dessa população.
O guideline aborda aspetos importantes para a saúde da população idosa como a desnutrição, a desidratação e também a obesidade. Segundo a publicação, a desnutrição e a desidratação são comuns em pessoas idosas, porém, a obesidade também pode ser um grave problema. Na prática clínica, muitas vezes não está claro quais estratégias são adequadas e eficazes para combater essas ameaças à saúde. Com o objetivo de fornecer recomendações para prevenir e/ou tratar a desnutrição e a desidratação, a ESPEN publicou diretrizes específicas.
No total, o documento apresenta 82 recomendações baseadas em evidências para o cuidado nutricional em pessoas idosas, abrangendo quatro tópicos principais: Questões básicas e princípios gerais; recomendações para idosos com desnutrição ou em risco de desnutrição; recomendações para pacientes idosos com doenças específicas e recomendações para prevenir, identificar e tratar a desidratação.
De acordo com o guideline, o idoso é caracterizado, geralmente, como uma pessoa com 65 ou mais anos de idade. Porém, o paciente geriátrico não pode ser caracterizado somente pela idade, mas sim pelo alto grau de fragilidade ou pela presença de doenças que são mais comuns a partir dos 80 anos de idade.
Nos pacientes geriátricos, as doenças agudas e/ou crônicas, em combinação com as alterações degenerativas relacionadas à idade, causam limitações físicas, mentais e/ou sociais, comprometendo total ou parcialmente a capacidade do idoso de executar sozinho, as atividades básicas da vida diária. A pessoa passa a precisar de auxílio, de cuidados físicos, psicológicos e sociais, sendo necessária uma abordagem holística para evitar a perda total ou parcial da independência.
Sarcopenia – A sarcopenia é uma das síndromes geriátricas mais frequentes e é caracterizada pela perda desproporcional de massa e força muscular, acompanhada de declínio na atividade física, na funcionalidade e no desempenho do idoso. De acordo com a ESPEN, uma perda excessiva de massa e força muscular produz deficiência física, fragilidade e incapacidade, tornando o idoso dependente de outros. Além disso, a sarcopenia também prejudica a adaptação metabólica ao estresse e à doença.
Fragilidade – Representa uma síndrome clínica distinta, caracterizada por uma maior vulnerabilidade ao estresse, devido ao declínio que ocorre em muitos sistemas fisiológicos durante o envelhecimento. A fragilidade está associada a um maior risco de doenças e estima-se que ela afete cerca de 25% das pessoas com 85 anos ou mais.
Desnutrição – A nutrição inadequada do idoso contribui para a piora de muitas doenças, incluindo a sarcopenia e a fragilidade. A prevalência da desnutrição aumenta à medida que diminui a capacidade funcional e a saúde do idoso, oscilando na faixa de 10% naqueles que têm vida independente e aumentando para perto de 2/3 dos idosos internados nos hospitais.
Nos casos de doenças agudas ou crônicas, os problemas nutricionais são generalizados, e a ingesta alimentar inadequada em combinação com os efeitos catabólicos da doença levam rapidamente o idoso à desnutrição. Há uma relação direta entre desnutrição e piora do prognóstico, como por exemplo: aumento nas taxas de infecções, aumento nas úlceras por pressão, aumento do tempo de internação hospitalar, convalescença mais lenta após doença aguda e aumento da mortalidade.
Como regra geral, o idoso deve receber 30kcal/kg/dia. A oferta proteica deve ser de no mínimo de 1g/kg/dia. Tais valores devem ser ajustados de acordo com o estado nutricional, nível de atividade física, tolerância, a doença atual e/ou presença de comorbidades;
Não havendo deficiências de micronutriente específico, a dieta deve conter as quantidades de micronutrientes recomendadas para o idoso saudável;
Todos os idosos, incluindo os obesos, independentemente do diagnóstico, devem ser rotineiramente avaliados para detectar a presença de desnutrição, usando uma ferramenta válida de triagem nutricional. A avaliação nutricional completa deve ser realizada naqueles identificados pela triagem, e logo após deve ser definido um plano de atendimento nutricional, com monitoramento constante e com ajustes no plano de atendimento, quando necessário;
A intervenção nutricional no idoso deve ser individualizada e abrangente, com o objetivo de obter uma ingesta nutricional adequada, manter ou melhorar o estado nutricional e melhorar a qualidade de vida;
As causas responsáveis pela desnutrição e pela desidratação devem ser prontamente identificadas e eliminadas o mais rápido possível. As restrições alimentares, que podem causar diminuição no consumo das refeições, devem ser revistas e/ou evitadas;
Os idosos com desnutrição ou com risco de desenvolvê-la, que precisam de ajuda para alimentação, hospitalizados ou não, devem receber assistência durante as refeições, de forma a garantir uma ingesta suficiente. Para ajudar na ingestão alimentar, os idosos hospitalizados devem permanecer, no momento das refeições, em um ambiente tranquilo, agradável e o mais semelhante possível ao de sua casa. Os idosos em lares específicos devem ser estimulados a realizar as refeições junto com outros idosos, para melhorar a ingestão alimentar e a socialização;
Os idosos com desnutrição ou com risco de desenvolvê-la devem receber informações e serem instruídos sobre os problemas nutricionais de modo a ficarem vigilantes sobre o tema e também melhorarem sua alimentação;
Os profissionais de saúde e os cuidadores também devem ser instruídos sobre as questões nutricionais, de modo a ficarem atentos à quantidade de alimentos consumida pelos idosos.
Todos os idosos com desnutrição ou em risco de desenvolvê-la devem receber:
- Dietas enriquecidas de modo a atingir a sua meta nutricional;
- Lanches adicionais de modo a facilitar a ingesta oral;
- Alimentos pastosos caso tenham dificuldade de mastigação ou de deglutição;
- Suplemento Nutricional Oral (SNO) a partir do momento em que a ingestão nutricional tornar-se insuficiente;
- SNO após a alta hospitalar de modo a garantir a ingesta nutricional adequada.
- Ser orientados a manter a SNO por pelo menos 30 dias. A aderência a SNO, a eficácia e os benefícios devem ser avaliados a cada 30 dias. O tipo, a textura, o sabor e o horário para o consumo dos suplementos devem ser individualizados.
A Nutrição Enteral (NE) nos idosos deve ser iniciada se a ingestão oral não for possível por mais de 3 dias, ou se ficou abaixo da metade de suas necessidades diárias durante 7 dias, apesar das intervenções realizadas para aumentar a ingestão. Os benefícios esperados e os riscos potenciais da NE devem ser avaliados individualmente e reavaliados periodicamente ou quando as condições clínicas do idoso mudarem.
Idosos que necessitem de NE por menos de 4 semanas, devem receber a dieta por sonda nasogástrica. Quando a duração prevista da NE for superior a 4 semanas e naqueles intolerantes à sonda nasogástrica, deve ser realizada a gastrostomia endoscópica. A alimentação oral deve ser encorajada mesmo na presença da sonda nasogástrica ou da gastrostomia.
Nos indivíduos desnutridos, a Nutrição Parenteral (NP) ou a NE devem ser iniciadas sem demora, com oferta nutricional progressiva durante os 3 primeiros dias, sendo que os níveis séricos de tiamina, fosfato, potássio e magnésio devem ser monitorados para que se evite a síndrome de realimentação.
Idosos com fratura de quadril devem receber Suplementação Nutricional Oral.
Idosos em risco de desenvolver úlceras de decúbito ou portadores de tal condição devem receber intervenção nutricional para prevenir o aparecimento destas lesões.
Nos idosos obesos devem ser evitadas dietas para perda de peso, no sentido de impedir a perda de massa muscular e, consequentemente, declínio funcional.
Nos casos de idosos obesos em que a redução no peso está indicada, a restrição calórica deve ser moderada de modo a se conseguir perda ponderal com preservação da massa muscular;
Idosos com diabetes mellitus devem receber uma triagem nutricional para identificar os portadores de desnutrição ou os que estão em risco de desenvolver desnutrição;
Nos idosos diabéticos devem ser evitadas as dietas restritivas de modo a prevenir a desnutrição e o consequente declínio funcional.
Todos os idosos devem ser considerados em risco de desidratação e encorajados a consumir líquidos.
Referência
http://www.espen.org/files/ESPEN- Guidelines/ESPEN_GL_Geriatrics_ClinNutr2018ip.pdf